quarta-feira, 30 de julho de 2025

Mitos nos dis­cur­sos sobre a pobreza

É sur­pre­en­dente a man­chete desta segunda-feira do JN que os “bene­fi­ci­á­rios do RSI são cada vez menos e o valor médio do sub­sí­dio é de 155 euros”. Não é essa a sen­sa­ção que temos quando pas­sa­mos pelas redes soci­ais. Parece que a mai­o­ria dos por­tu­gue­ses não que­rem tra­ba­lhar por­que rece­bem o ren­di­mento social de inser­ção (RSI). “O mito de que há muita gente que vive à custa do RSI, vul­gar­mente conhe­cido como ren­di­mento mínimo, é antigo e cada vez mais facil­mente des­mon­tado pelos núme­ros da Segu­rança Social e da exe­cu­ção orça­men­tal con­sul­ta­dos pelo JN”, escla­rece este jor­nal.

Há um outro mito que con­ta­mina qual­quer abor­da­gem séria da pobreza. “Desde o tempo da Lei das Ses­ma­rias [com­ba­ter a crise agrí­cola e o des­po­vo­a­mento rural] que vem esta ideia de que os pobres são pobres por­que não que­rem tra­ba­lhar, não fazem esfor­ços para sair da situ­a­ção, o que é com­ple­ta­mente con­tra­di­tado pela pró­pria estru­tura e cate­go­ri­za­ção dos bene­fi­ci­á­rios de RSI”, explica ao JN o soci­ó­logo Luís Capu­cha.

São notí­cias como esta que aju­dam a des­mon­tar as fal­si­da­des de dis­cur­sos polí­ti­cos que, para além de domi­na­rem as redes soci­ais, estão a inqui­nar a opi­nião pública. É mesmo muito difí­cil ven­cer a men­tira mui­tas vezes repe­tida.

Já dizia Goeb­bels, o minis­tro da pro­pa­ganda nazi, que “uma men­tira dita mil vezes torna-se ver­dade”. Sobre­tudo nes­tes tem­pos em que essa men­tira se dis­se­mina expo­nen­ci­al­mente, já não mil, mas milhões de vezes pelas redes soci­ais. É muito difí­cil a ver­dade tri­un­far.

Tam­bém não é fácil con­tra­riar o dis­curso popu­lista por­que mui­tas pes­soas, perante as difi­cul­da­des que enfren­tam, pre­fe­rem acre­di­tar que são os pobres, os imi­gran­tes ou os refu­gi­a­dos os cau­sa­do­res dos seus pro­ble­mas no acesso à edu­ca­ção, à saúde ou ao emprego. Não há pior cego do que aquele que não quer ver. Ou que decide ser míope.

quarta-feira, 23 de julho de 2025

Estimar os idosos até ao fim

A sociedade ocidental tende a valorizar o papel dos avós e dos idosos, ainda que por vezes o faça numa perspetiva meramente utilitarista.

Eles são muito úteis para irem buscar os filhos às escolas ou às atividades extracurriculares. Ou para acompanharem os netos enquanto os pais estão ocupados no trabalho. Mais tarde, quando as crianças crescem e os pais já não precisam desse apoio, os idosos começam a perder as suas capacidades de mobilidade e autogoverno: nessa altura passam a ser eles a necessitar de acompanhamento. Muitas vezes, porém, são “despejados” num lar e votados ao abandono.

Para chamar a atenção para isto o Papa Francisco instituiu o Dia Mundial dos Avós e dos Idosos, que se passou a celebrar no domingo mais próximo de 26 de Julho, o dia em que a Igreja Católica festeja S. Joaquim e S. Ana, pais de Maria e, portanto, avós de Jesus.

Esta efeméride celebra-se, pela quinta vez, no próximo domingo. Na mensagem que lhe dedica, Leão XIV pede que se promova a libertação dos idosos “da solidão e do abandono”. O Papa constata que “as nossas sociedades estão a habituar-se, com demasiada frequência, a deixar que uma parte tão importante e rica do seu tecido social seja marginalizada e esquecida”. É preciso “trabalhar por uma mudança que devolva aos idosos a estima e o afeto”.

Os idosos não devem ser descartados quando as suas forças diminuem e mais precisam de atenção. Não devem ser afastados do ambiente familiar, a não ser que tal seja humanamente impossível. Também os jovens precisam de contactar com a sua fragilidade e decrepitude para terem uma conceção mais ajustada do que é a vida.

O ser humano não vale só pelo que produz, mas pelo que é ao longo de todo o seu ciclo. A sua dignidade é inviolável e deve ser protegida quando está mais frágil. As velas ardem até ao fim.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 23/07/2025)

quarta-feira, 16 de julho de 2025

Os que vão, e os que não vão, à missa

Há políticos que fazem questão em dizer que vêm da missa e outros que se vangloriam de não ir missa. A estes não é exigido que estejam em sintonia com o Evangelho ou com o que o Papa e os bispos pregam. Porém, surpreendentemente, estão por vezes mais alinhados com posições da Doutrina Social da Igreja do que os primeiros. É o caso do acolhimento aos imigrantes.

No Evangelho aparecem diversas passagens em que Jesus exalta e promove os estrangeiros. Jesus elogia a fé da cananeia a quem cura a filha (Mt. 15, 21-29) e do centurião romano a quem cura o escravo (Lc. 7, 1-10). Uma samaritana, que encontra junto ao poço de Jacó, converte-se em sua apóstola (Jo. 4, 31-33). Na parábola que foi lida na missa deste domingo em todo o mundo, é também um samaritano que se compadece e presta assistência a um judeu assaltado e abandonado quase sem vida. Um sacerdote e um levita veem o seu estado de necessidade, mas ignoram-no (Lc. 10, 25-37).

Comentando essa parábola, Leão XIV denunciou que, por vezes, “consideramos nosso próximo somente quem está no nosso círculo, quem pensa como nós, quem tem a mesma nacionalidade ou religião. Porém, Jesus inverte a perspetiva, apresentando-nos um samaritano, um estrangeiro e herege, que se torna próximo daquele homem ferido. E pede-nos que façamos o mesmo”.

Em sintonia com o Papa, D. José Ornelas, bispo de Leiria–Fátima, defendeu que, num contexto “de discernimento e de legislação sobre os imigrantes”, a prioridade deve estar “no bem acolher”. E apelou a que não se caia “na ratoeira dos medos instrumentalizados, nem dos preconceitos manipulados, das evidências negadas”.

Tendo em conta o Evangelho e a doutrina social que dele decorre, o cristão não pode embarcar em discursos levianos que imputam ao estrageiro os problemas da nação e pretendem dificultar o seu acolhimento.

quarta-feira, 9 de julho de 2025

O Sínodo é decisivo para o futuro da Igreja

O caminho sinodal iniciado por Francisco é para continuar. Agora sob a batuta de Leão XIV, recebeu esta segunda-feira um novo impulso com o documento da Secretaria Geral do Sínodo, o qual reúne propostas concretas para a sua implementação.

Como era de esperar, o texto retoma muitas das ideias fundamentais do Documento Final da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, de 26 de Outubro de 2024. Ao citar este documento, clarifica que o Sínodo “constitui um ato de ulterior receção do Concílio, prolongando a sua inspiração e relançando a sua força profética para o mundo de hoje”.

Francisco empenhou-se em “descongelar” o Concílio Vaticano II, nomeadamente ao lançar esta dinâmica sinodal. Ela veio dar continuidade a uma visão conciliar de uma Igreja em diálogo com o mundo, que o escuta e faz suas “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje” (Gaudium et spes, 1).

Cabe agora a Leão XIV dar continuidade ao caminho iniciado pelo antecessor. Sobre ele recai a responsabilidade de implementar tudo o que até agora foi refletido e proposto nos trabalhos sinodais.

O documento da Secretaria Geral recorda várias das linhas estratégicas do Documento Final. Pede o empenhamento de todos para que elas sejam implementadas, porque “sem mudanças concretas a curto prazo, a visão de uma Igreja sinodal não será credível e isso afastará os membros do Povo de Deus que retiraram força e esperança do caminho sinodal” (DF, 94).

A partir daqui, compete aos bispos liderar a implementação do Sínodo, garantir a comunhão entre perspetivas diversas e não abafar nenhuma. Compete-lhes também promover a participação de todos, para que a alegria e a esperança do Evangelho iluminem o mundo. Se não o conseguirem implementar, o Sínodo não será mais do que um “sonho lindo que acabou”.

quarta-feira, 2 de julho de 2025

Jesus não negaria a comunhão

O pe. Ian Vane, pároco da comunidade católica de Dorking, na Inglaterra, informou os seus fiéis no domingo passado que, caso o católico Chris Coghlan, deputado do Partido Liberal Democrata, se apresentasse à comunhão, esta lhe seria negada. Isto por ter votado a favor de um projeto de lei que aprovou a eutanásia, no passado dia 20, o que vai contra a doutrina da Igreja.

Foi esta lógica que, no passado, levou à excomunhão daqueles que defenderam teses que então não se coadunavam com o que a Igreja postulava. Alguns acabaram mesmo na fogueira da Inquisição. Foi o caso dos que diziam que a terra girava à volta do sol ou os que achavam inaceitável a escravatura ou o racismo, quando a tal doutrina ensinava o contrário.

Aqueles que acham que a comunhão deve ser negada aos que aceitam o aborto ou a eutanásia, por a Igreja condenar tais práticas, têm a mesma postura em relação aos que são a favor da pena de morte ou da prisão perpétua? Ou aos que aprovam leis discriminatórias, xenófobas ou racistas? Ou ainda àqueles que exploram os seus trabalhadores e não cuidam do ambiente, tudo subalternizando ao lucro? É que também essas são atitudes que vão contra a doutrina da Igreja.

O que faria Jesus? Negaria a comunhão a quem não estivesse em condições de a receber?

Parece que não, pois na “primeira missa” não negou a comunhão a Judas, apesar de saber que ele já o tinha traído. Não excluiu Pedro da refeição que tomou com os apóstolos após a Ressurreição, apesar de ele o ter negado. Só depois de o ter alimentado é que lhe perguntou por três vezes se o amava (Cf. Jo. 21, 15-18).

Tinha razão o Papa Francisco ao escrever que a “Eucaristia, embora constitua a plenitude da vida sacramental, não é um prémio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos” (Evangelii Gaudium, 47).